quinta-feira, 10 de maio de 2012

O dia que gritei gol na torcida adversária

Esta é uma história sobre o dia em que gritei gol na torcida adversária. Foi publicada em 2010 no site decano.com.Tudo começou num sábado com o Sérgio: "E aí, Mano, vai ver o jogo?", perguntou. Impensável: meu orçamento já tinha ido pro saco e o mês ainda tinha uma semana. Mas fiquei com muita vontade. Nunca tinha visto o Nacional num estádio e, entre os grandes centros futebolísticos do país, nenhum fica mais perto de Brasília do que Belo Horizonte.

No domingo fui ver as passagens. Não, não dava. Mas meu aniversário havia sido poucos dias antes e meus pais resolveram dar este presente. Na segunda-feira, o ingresso. O site do Cruzeiro dizia que a venda terminaria quatro horas antes do jogo. Não dava tempo, eu chegaria mais tarde. Entrei em contato com alguns amigos uruguaios e eles me conseguiram uma entrada de cortesia, proporcionada pela diretoria do Nacional.Na terça-feira, fiz a reserva no hotel Ouro Minas - o mesmo em que o time ficaria. E na quarta-feira, as últimas decisões: ir do aeroporto diretamente ao estádio, levar uma mochila com roupas e uma bandeira do Nacional.

E chegou a quinta-feira. No escritório, pus a bandeira sobre a mesa. Eu era todo alegria. Do trabalho fui direto para o aeroporto e lá peguei um táxi direto para o estádio. Quando cheguei lá, ainda eram vendidos ingressos. Foi uma falta de experiência da minha parte. Mas o contato já havia sido feito (e intermediado por meu bom amigo Diego). Com um telefonema, veio um integrante da comitiva bolsilluda até o portão, me fez entrar e me levou até o vice-presidente do clube, Héctor Olmos. Fui alegremente cumprimentado, mas estava tímido. Fiquei junto deles por algum tempo e fomos até a porta do vestiário.

Eles me disseram para ir até a arquibancada, que depois iriam também. Fui, escolhi um lugar e sentei - e depois não nos vimos mais. O lugar era uma espécie de área VIP e só tinha cruzeirense pra todo lado (e como tinha menina bonita!). Vi onde estava posicionada a torcida do Nacional e tirei uma foto do melhor ângulo que foi possível (ainda assim, um ângulo ruim).

O estádio era bastante bom, tinha um belo placar e dois telões. Cadeiras ou assentos em quase todos os lados. Legal ver que os torcedores do Cruzeiro e do Atlético tinham maturidade pra conservar aquilo tudo em bom estado.

Montei uma câmera com tripé e tirei minha bandeira da mochila, ainda tímido. Não demorou para que algumas pessoas cumprimentassem e começássemos a conversar. Eu iria tirar a foto na hora que o time posasse para isso, mas perdi o momento porque estava contando ao pessoal a meu lado sobre as façanhas de um volante que, no chão, tinha coragem de disputar bolas divididas com a cabeça (e ganhava). Era Raúl Ferro, um bate-estacas que jogava com a camisa 13.

Um erro defensivo permitiu o primeiro gol do Cruzeiro. O estádio festejou. Um minuto depois comecei a agitar minha bandeira, como se não houvesse ali ninguém além de mim. Só que a minha torcida não ajudou muito, porque o primeiro tempo acabou 3 a 0.

Recebo um SMS da minha esposa: "Não fique triste meu doce. Te amo". Incrível! Ela estava vendo o jogo - o que não é comum - e ainda por cima pela internet! E suportando pacientemente as inúmeras quedas que alguns canais possuem. "Tranquilo, meu doce. Um resultado assim é quase a eliminação. Mas estou feliz por estar aqui", foi o que respondi para a Beta.

Alguns torcedores passavam por mim e falavam comigo, soltavam alguma gozação, e se alguém ria, eu ria de volta. Muita gente me tratou com respeito (o que foi uma surpresa, porque em volta de mim tinha gente que a cada dois minutos xingava a mãe de alguém) e eu retribuí com igual respeito.

Segundo tempo. Grande contra-ataque do Nacional, Diego Vera cara a cara com o goleiro... Fábio defendeu. Isso não é gol que se perca! 

Mas um minuto depois (no campo me pareceu uma eternidade) veio o gol do Nacional, marcado por Mario Regueiro. Fiquei de pé, vibrei, agitei a bandeira, dei um grito de goooooool! E ao redor, silêncio total. E sentei-me. Havia gritado gol no meio da torcida adversária. Nenhuma provocação da minha parte, nenhum desrespeito do outro lado. Como é bom torcer pacificamente, mesmo que por times diferentes. Por SMS minha esposa me mandou um "Viva!". Do meu lado, um sujeito contava aos amigos uma história de quando ele esteve numa situação idêntica num estádio em Sete Lagoas. E apontando para mim, disse: "Eu fiz igual esse cara, resolvi torcer e comemorar".

O jogo fica morno, a torcida do Cruzeiro perde a paciência e inclusive escuto alguém atrás dizendo "essa torcida não canta nem fodendo fornicando". Antes do fim, vários já estavam indo embora (e com o time ganhando!). Alguns me cumprimentam e um deles ainda falou "boa sorte no jogo de volta" (e na volta o Nacional perdeu de 3 a 0).
"Perdemos. Mas a felicidade é minha e eles é que estão furiosos", escrevo para minha esposa e também para o Diego. No Uruguai, vários amigos torcedores do Peñarol pegavam no pé dele por causa da derrota, mas a coisa mudou de figura quando ele recebeu minha mensagem. Em seguida, subi até as cabines de rádio para encontrar o pessoal da rádio uruguaia. (Nota: somente no Uruguai um programa chamado Pasión Tricolor vai ao ar por uma rádio chamada Imparcial) Encontrei o locutor Javier Moreira, que me colocou no ar e ainda me fez participar da votação de melhor jogador do Nacional naquela noite.

Fui para o hotel, tomei meu banho e fui receber os jogadores. "Vamo adelante", eu dizia. Eles estavam abatidos. Alguns pareciam querer que a terra se abrisse para desaparecerem. Cheguei a por a mão no ombro de alguns deles. Pedi uma entrevista ao treinador Eduardo Acevedo, ele concorda mas antes tem que atender ao "Toto" da Silveira, um dos mais famosos jornalistas esportivos uruguaios. Terminou, levantou, já estava indo embora quando me viu e voltou. Apesar do cansaço, da tristeza pela derrota e da hora avançada, ele me atendeu com muita amabilidade.

Ao terminar a entrevista, um rapaz se aproximou de mim. "Você é o Manoel que escreve no decano.com? Prazer, eu sou o Nino". Grande amigo. Conversamos sobre um montão de coisas até as quatro e pouco da manhã, quando chegou sua hora de ir para o aeroporto. Aos poucos foi se formando uma roda de conversa. Para cada um que chegava, ele perguntava: "Você lê o decano.com? Este é o Manoel".

Sozinho, às 4:40, eu estava no quarto tomando um guaraná, pensando em tomar o café da manhã às 5 e ir para o aeroporto logo. E às 5 eu estava dormindo. O corpo me cobrava pelos exageros de uma noite muito bem aproveitada. Perdi o voo, que partiria às 7. Recebo um SMS da Beta: "Não perca a alegria desta noite. Todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus".

E esta era a ideia. Guardar a alegria desta noite, com tudo o que vivi em cada trecho da viagem, com os dirigentes, no estádio, no hotel, na rádio, junto dos dirigentes, dos torcedores. Isso é o Nacional. E sabe de uma coisa? Acho que a Beta também sente...

4 comentários:

  1. Impresionante y emocionante Manoel. Un abrazo desde Montevideo y vamos Nacional!!!!

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  2. Se agradece Matias! Lindo día fue este. En otro momento cuento cómo fue el día que me recibieron en Parque.

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  3. Parabéns pela belo texto... Momentos como esses me lembram o Vasco de 98...
    Abs!

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  4. Valeu Lucas...
    Acho que o Vasco passa pelo Corinthians. Daí pra frente eu não sei. Sei que se o Vasco for campeão eu vou ficar muito puto lembrando da vitória do Nacional na primeira rodada...

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