domingo, 6 de maio de 2012

Supostos suspeitos geram suspeitas sobre suposto jornalismo


Cena do seriado Chapolin. A personagem de Florinda Meza está numa casa velha, toda em mau estado. No papel de proprietário, Carlos Villagran (o Kiko) aparece para cobrar o aluguel. A partir do minuto 2:56 acontece o seguinte diálogo:

FM: Ah, é você.
CV: Sim, sou eu.
FM: (Olhando com raiva para a câmera) Sim, é ele.
CV: Suponho que não esteja sendo importuno.
FM: Supõe mal. Porque suponho que veio para cobrar o aluguel.
CV: Supõe bem. Suponho que já tenha o dinheiro.
FM: Supõe mal. E tem mais: nós nem estamos pensando em pagar o aluguel.
CV: Suponho que tenham um bom motivo.
FM: Supõe bem. E suponho que você já o tenha suposto.
CV: Supõe mal.
FM: Mas que cínico você é!
CV: Supõe bem.

Coloquei esta cena só pra falar de uma praga do jornalismo, que é o chamado jornalismo supositivo - ou, como prefiro dizer, jornalismo supositório. Não há apuração dos fatos. Há supostos fatos. E suspeitos, muitos suspeitos - contra toda a lógica.

Ocorre que eu estava lendo as notícias num grande portal quando encontrei o seguinte título: "SP: suspeito morre baleado em tentativa de assalto na Oscar Freire". Suspeito? Vamos lá. A matéria diz que o suspeito morreu baleado por um policial à paisana após tentar assaltar um pedestre. O segundo parágrafo informa que o criminoso (ufa! Alguém chamou as coisas pelo nome! Ainda há salvação) teria abordado a vítima (abordou ou não? Assaltou sem abordar?) numa banca de jornal. O policial percebeu a ação e deu voz de prisão ao suspeito (o bandido foi pego em flagrante. Como é que ele segue sendo um mero suspeito?). Aí o cara sacou uma arma falsa e o policial atirou.

Ok, a explicação é o medo de supostos processos que o jornal pode enfrentar. Mas como explicar esta delícia de manchete divulgada pela agência EFE? "Polícia detona suposto explosivo em consulado venezuelano no Rio". Deu vontade de xingar um negócio muito feio que pariu. Porque o "suposto explosivo"... explodiu! E quem é que iria meter um processo no jornal neste caso? O leitor de notícia de má qualidade.

Olha este outro exemplo: “Estudante que teria xingado índios pelo Facebook pede desculpas; MPF vai investigar suposto racismo”. Não é uma beleza? A manchete não nos permite saber nem se houve ou não o insulto, pelo qual se pede desculpas (a lógica diz que sim... do contrário, não seria preciso pedir desculpas, certo?). É preciso ler a matéria pra encontrar a informação: Após a apresentação, uma internauta, moradora de Dourados, segunda maior cidade do Estado, disse, via Facebook, que o grupo era “lixo e fedorento”. Houve insulto. Como é que "teria xingado"?

Caso recente: "Vazam na internet supostas fotos íntimas de Carolina Dieckmann". Não vou discutir agora o que vem a ser uma suposta foto - a suposta em questão era a retratada e não a foto. O valor notícia está no nome da pessoa, mas não se sabia se as fotos eram dela ou não (agora já se sabe que são). Isso não impediu que a matéria dissesse que as fotos eram dela sim, apesar do supositório "supostas" no título.

Mais um caso: três sem terra foram mortos com tiros na cabeça (a matéria dizia que foi com um tiro - deve ser uma arma poderosa que com um tiro mata três). Uma criança sobreviveu. Não se sabe o sexo - a matéria diz "a garoto". E em seguida vem a seguinte preciosidade: "A polícia agora apura se a criança conseguiu se esconder atrás de um dos bancos ou se os suspeitos de cometerem o crime a pouparam". É isso aí. O que falta elucidar é se esta pessoa que matou três, mas que não é assassino e sim suspeito, viu ou não a criança que sobreviveu a esta tragédia.

Suspeito? Supõe mal.

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