quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Cicinho e os erros do repórter

Começou quando o Allan me mostrou um texto do Globo Esporte com dois erros daqueles que pulam na nossa frente quando a gente lê ("don" e "copmigo"). Aí falei que estava curioso para ler o texto inteiro, prevendo que ele todo fosse ser ruim. E não é que estava certo? Eu queria escrever sobre isso ontem à noite, mas meu time perdeu eu estava indisposto. Agora de manhã vários erros já foram corrigidos (inclusive os dois já mencionados).

Ainda assim, fazia tempo que eu não lia algo tão mal escrito. A matéria conta a história de Cicinho, um talento desperdiçado. Quando esteve no São Paulo foi o melhor lateral direito do Brasil. Depois foi para o Real Madrid (não mais o "galáctico", mas sim o "sul-americano", comandado pelo Vanderlei Luxemburgo e com a presença de algumas tranqueiras como os uruguaios Carlos Diogo e Pablo García) e a partir daí a carreira dele só regrediu. Até que encontrou o grande amor e hoje está no... mmm... é, está no Sport.

Sem perder mais tempo, vamos aos erros do texto (os que ainda não foram corrigidos).

1. "A trajetória vencedora agiu como uma cortina escondendo os problemas que perseguiram o jogador até pouco: o alcoolismo". Os problemas, plural, eram (ou era?) um só: o alcoolismo (singular).

2. "Eu me deixei levar pela fama, o sucesso. Deixei o dinheiro subir para minha cabeça e me achava capaz de tudo". A forma como ele acrescenta "o sucesso" dá a pista: o repórter provavelmente escreveu muitas coisas literalmente do jeito que o Cicinho falou. Esqueceu-se que a linguagem falada é diferente da escrita. Além disso... o dinheiro subiu "à" cabeça, e não para cabeça (sic).

3. "No clube mineiro, também teve problemas com o então técnico Levir Culpi. Depois de uma passagem apagada pelo Botafogo, voltou ao Galo e reencontrou o bom futebol". Sem muito aviso por parte do repórter, o Cicinho vai do Atlético (onde tinha problemas) para o Botafogo (onde teve uma passagem apagada) e voltou ao Galo. E o leitor que se vire pra acompanhar.

4. "O tricolor foi uma ponte para a Seleção, onde foi campeão da Copa das Confederações em 2005. E e no ano seguinte fez parte do grupo que disputou o Mundial da Alemanha". Ontem faltava a palavra "ano". Corrigiram este erro e criaram um novo: agora repete-se o "e".

5. "Se eu tivesse sido profissional, estaria brigando para ir à Seleção, mas não quis brigar por isso e entreguei de mãos beijadas a vaga". Primeira vez que eu vejo a expressão "de mão beijada" no plural. Vai ver ele entregou a vaga com as duas mãos.

6. "Quando o avião subiu para Madri, minha cabeça foi junto, o sucesso subiu igual a um foguete". Menos mal que a cabeça do Cicinho não ficou para trás quando ele subiu no avião (imagine a cena). Para a confusão ficar completa, foi acrescentado o foguete... que vai muito mais longe que o avião. Vamos ver se terminamos de entender: a cabeça subiu no avião, mas o sucesso subiu como um foguete? A cabeça não deu conta de acompanhar o sucesso? Ainda assim (lá vou eu fazer pior que o repórter), ele estava nas nuvens...

7. "Por exemplo, eu chegava numa choperia e mandava o cara abrir para mim dizendo que eu ía beber tudo lá". Estou até agora tentando entender isso sem pensar besteira.

8. "Após voltar da cirurgia, Cicinho acabou perdendo espaço no Real e foi vendido ao Roma da Itália, onde passou a receber um salário maior do que tinha no clube merengue". Voltar da cirurgia? O repórter certamente quis referir-se ao tempo de recuperação até poder jogar novamente. Mas, do jeito que ele escreveu, "voltar da cirurgia" também pode ser o retorno para casa após receber alta.

9. "Esteve em campo em 72 partidas, marcando três gols, mas voltou a viver um novo drama na carreira, ao ter que operar o joelho direito pela segunda vez em menos de dois anos". Cicinho no fundo do poço... e o repórter também. "Voltou a viver um novo drama". Se o drama era novo, como é que ele "voltou a viver"?

10. "Já cheguei ao ponto de, no melhor hotel da minha cidade, enquanto o cara fazia o meu check-in, às três da manhã, eu fazia xixi no saguão do hotel - se recordou, com um sorriso amarelo no rosto". Aqui é só pra destacar um erro recorrente no texto: o cara usa somente a próclise.

11. "O mesmo roteiro do Real Madrid se repetiu no Roma". No texto, Roma tornou-se masculino. E está errado. Como saber qual é o certo? Simples: pelo nome completo. O clube italiano chama-se Associazione Sportiva Roma. Associazione (Associação) é feminino. Esta é a mesma diferença que faz com que "Inter" seja feminino quando se refere à Inter de Limeira (Associação Atlética Internacional) e masculino quando se refere ao Inter de Porto Alegre (Sport Club Internacional).

12. "Cumpriu o contrato de empréstimo e voltou para o Roma, onde perdeu espaço e acabou novamente emprestado ao Villareal da Espanha". Como novamente? Alguma vez ele já havia sido emprestado ao Villarreal? Não.

13. "Evangélico, foi para um congresso em Manaus, quando ouviu de um pastor uma vontade, que mais tarde se transformaria numa 'profecia'". Dizer que ele ouviu uma vontade já me causou estranhamento quando li pela primeira vez. Mas o pior é dizer que isso se transformou numa profecia. Nada "se transforma" numa profecia. Ou é, ou não é. Uma profecia que se cumpre já era profecia muito antes do seu cumprimento. Se não se cumpre, não era profecia. Nunca foi. Outra coisa: profecia não é simplesmente uma previsão. Se fosse assim, teríamos vários profetas e profetisas nos telejornais dizendo como será o tempo no dia seguinte (embora algumas destas profecias não se cumpram hehehehehe).

14. "Os tempos de Roma não foram de todo ruim para Cicinho". Misturar plural (os tempos) e singular (ruim) é erro primário.

15. "A amizade permaneceu, e, depois de resistir bastante, Marri cedeu aos flertes de Cicinho. O namoro começou, e a desconfiança veio a reboque". Aqui é só pra exemplificar como o repórter distribuiu as vírgulas (as sublinhadas estão sobrando). Não posso citar exemplos do texto todo porque ficaria muito longo (digamos que com 15 tópicos já está longo) e o leitor ficaria de saco cheio entediado com a leitura.

16. "O amor que ela sente por mim, que eu sinto por ela, fez com que eu retomasse o amor que eu sinto pela minha vida". Aqui chamo a atenção para a repetição de palavras. O repórter deve ter copiado literalmente o que ouviu.

17. "E assim eu percebi que não posso desperdiçar o que Deus me deu, o don de jogar futebol". O repórter parece não ter o "don" de escrever bem...

18. "O Cicinho representa o amor para mim, e o amor é a base, a função de tudo. Ele pode contar copmigo pro que der vier". Esqueça o copmigo, que é erro de digitação. Aqui o repórter confirma que escreveu tudo do jeito que ouviu (tá bom, se ele tivesse estilo isso seria "recurso de oralidade"). Ou melhor, quase. Porque a menina não deve ter dito "der vier".

A tranqueira matéria original (já com algumas correções, mas não todas) pode ser lida AQUI. Mas não faça isso, a menos que sua intenção seja a de aprender como não se deve fazer. Até agora não acredito que o Globo Esporte deixou que fosse publicado um texto com tantos erros.

Um comentário:

  1. Uau!
    Aí está um exemplo do quanto a cobrança é grande em relação aos jornalistas. Comento vários erros de português como, por exemplo, de concordância. Mas é claro que eles não têm a mesma repercussão que o texto em questão. Obviamente é preciso de uma atenção minuciosa no caso acima. Realmente existem erros grotescos. Risos!

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