Compartilho um texto escrito há quase 10 anos para uma aula de Oficina de Texto.
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Por ironia, o professor pediu um texto sobre lembranças antigas da infância. Digo ironia porque ele pediu isso no mesmo dia em que eu havia escolhido para ir ao parque de diversões. Um dia que escolhi para voltar a ser criança. Ao entrar em alguns brinquedos, tive a curiosidade de perguntar a idade da criança que ia ao meu lado.
Lembro-me da primeira vez que entrei numa montanha russa. Não tenho certeza, acho que tinha 9 anos e foi uma linda tarde no PlayCenter em São Paulo. Eu saí branco, pálido, achava que o carrinho descia muito rápido. Minha diversão naquele dia foi um brinquedo de barco, em que o barco sempre descia contra a água e molhava um pouco. Bom, esta não é a lembrança mais antiga que tenho, mas serve de ponto de partida para voltar mais...
Lembro-me de quando minha família chegou a Brasília... eu tinha 6 anos, fomos morar na 103 norte. Lembro vivamente de quando entrávamos na padaria para comprar o pão, o leite e o suco santal... eu tinha um álbum de figurinhas de Formula 1, cada envelope custava quinze cruzados. Eu ficava furioso quando o Senna perdia. Meu brinquedo favorito era um carrinho de Lego e gostava muito de brincar de pique-esconde com meus irmãos Mateus e Marcos. Lembro de uma vez em que o Mateus escondeu o Marcos dentro da máquina de lavar, ele era menorzinho e eu não o encontrava nunca... mas esta não é a lembrança mais antiga que tenho.
Lembro-me de quando tinha uns cinco ou seis anos e morava em Araguari. Morava em uma vila militar e tinha ali alguns amigos de quem me lembro: os irmãos Maurício e Fabrício e o Paulo André. Brincávamos muito de corridas de bicicleta. Lembro-me também de que ao lado de casa havia uma quadra de esportes, eu brincava lá perto com meus carrinhos, desenhando pistas. Lembro também que havia uma padaria perto de casa e meu irmão mais velho ficava furioso quando ia comigo, dizia que eu demorava um ano para tomar um picolé (eu gostava de picolé de uva e limão)... lembro também do Moisés, um rapaz da igreja, e de uma vez que ele me levou para ver uma apresentação de pára-quedistas. Lembro também que em casa havia um pé de pitanga. Mas esta também não é a lembrança mais antiga que tenho.
Antes de Araguari, morei em Sete Lagoas. Poucas coisas lembro de lá: estudei numa escola chamada Instituto Brasil, morava numa rua que era uma subida rumo à serra e de lá da janela sempre dava para ver uma casa em construção. Também foi nesta época que adotamos meus dois irmãos menores, primeiro o Miguel, e cinco meses depois o Marcelo. Lembro de ter sido ensinado a cantar: mexe mexe mexe coração... e lembro do William, um rapaz que sempre dava balinha... mas esta também não é a lembrança mais antiga que tenho.
A lembrança mais antiga que tenho é de quando eu morei em Manaus, devia ter alguma coisa entre dois e quatro anos. A lembrança é de uma vez que, subido no muro, eu calmamente desaguava para o lado de fora da casa. Esta é a lembrança mais antiga que tenho. Meus pais me falam sobre uma praia que havia no rio, nem lembro em qual rio, mas não tenho lembrança nenhuma da praia... falam também de quando meu irmão Marcos, um ano mais novo que eu, me ensinou a pular o portão, mas eu também não tenho esta lembrança; meu pai fala de uma vez que me deu um aviãozinho e eu passei muitas horas brincando com ele, e à noite não queria dormir... mas eu também não tenho esta lembrança. Lembro de algo assim em Sete Lagoas, mas não em Manaus. Eles me falam também sobre uma série de passagens bíblicas que eu sabia achar em uma determinada Bíblia – que foi o primeiro indício que eles tiveram de que eu tinha mente fotográfica. Mas também não tenho esta lembrança.
Será que eu algum dia vou conseguir ter alguma lembrança mais antiga do que esta de estar em cima do muro desaguando? Será que algum dia terei alguma lembrança assim que não seja forçada por fotos da época? Talvez... talvez algum dia, quando eu tiver um filho, eu chegue a encontrar-me comigo mesmo e saber como eu era quando era pequeno.
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