quinta-feira, 12 de abril de 2012

Curriculum Vitae

Outro dia li na internet um texto que falava sobre ter experiência. Dizia coisas como "já fiz cosquinha na minha irmã só pra ela parar de chorar" e no final perguntava se plantador de sorrisos é uma boa experiência. Eu opino que sim. E por isso mesmo resolvi contar aqui um pouco da minha.

Plantar uma árvore, escrever um livro, ter um filho. Minha experiência ainda não chegou a tanto. Já reguei muitas árvores (com água e também com líquidos menos nobres), xeroquei alguns livros (e até já traduzi um) e tive há poucos dias (eu não, minha cunhada) mais uma linda sobrinha.

Fui um bebê não abortado, apesar das sugestões contrárias. Gozado isso: o mesmo médico que aconselhou minha mãe a engravidar, aconselhou também o aborto. Eu soube o nome dele, mas preferia não saber. E não discuto aborto.

Andar de bicicleta sem segurar com as mãos e de olhos fechados é uma travessura sem tamanho ter experiência. Depois do tombo, perdi um terço da audição do lado esquerdo.

Quando criança, já tive gatos (11 ao mesmo tempo) e cachorros (inclusive o melhor vira-lata do mundo). Já adulto tive peixes e hoje me divirto dando banana para os macaquinhos no quintal. Há pouco tempo tive um gatinho que morou no motor do meu carro e até ia para o trabalho comigo (sim, porque era mais fácil ligar o carro e ir embora do que tirar aquele bicho de dentro do motor). Na saída ele ficava miando em cima do pneu e eu o colocava pra dentro do carro. E vou dizer uma coisa: dirigir com um gato pulando em cima de você é ainda mais perigoso do que dirigir e colar figurinhas da Copa ao mesmo tempo.

Torcer pelo Nacional é, por definição, ter experiência. Ainda não tive o prazer de gritar um título de Libertadores (mas o Nacional já tem 3), mas já gritei um gol do Nacional no meio da torcida do Cruzeiro, lá no Mineirão (e com direito a agitar uma bandeira). E no dia 3 de outubro de 2010 fui recebido pelos dirigentes no meio do campo antes do início de um jogo, numa homenagem que guardarei por toda a vida. Secar o Peñarol também é ter experiência - e secar até que a umidade relativa do clube fique abaixo de zero é, além de tudo, muito divertido.

Tem gente que diz que viajar é cultura. Duvido. Tem muita gente na TV que viaja pra caramba e continua burra. Mas viajar é adquirir experiência, e eu costumo voltar muito empolgado dos lugares que visito. Minha primeira viagem sozinho de avião foi aos 17 anos, para receber uma medalha numa cidade que eu não conhecia (Ponta Grossa - PR). E fazer o auditório inteiro dar risada depois de recitar meu poema é ter experiência.

Já que falei em viagem... viajar de Brasília para o Rio Grande do Sul, sozinho, num carro 1.0 sem nenhum aparelho de som é, definitivamente, ter experiência. Três dias conhecendo coisas novas, lendo mapa, deliciando-me com paisagens diferentes e sendo tratado com chuva pelo Paraná. Num caso extremo, já fiz o mesmo trajeto em um dia e meio.

Entrar na Argentina sem controle de fronteira não chega a ser assim uma experiência, já que muita gente faz coisa pior pra entrar nos Estados Unidos. Mas entrar no Uruguai e pedir uma pizza de meio metro é ter experiência.

Por falar em pizza... já comi 31 pedaços numa pizzaria rodízio. Só não tive a experiência de colocar o cinto de segurança depois. Mas subi escada e cheguei no segundo andar junto com o elevador. Deixei de ser glutão quando fui pela primeira vez a um café colonial, numa praia gaúcha. Eu comi feito um porco. Na tarde seguinte, passei mal feito um porco.

Já trabalhei em banco, hospital, site de Fórmula 1 (o site não existe mais, mas não é culpa minha nem do Thiago nem do Felipe) e órgãos públicos. Em todo lugar as pessoas são meio brutas e esquecem do carinho e gentileza no dia-a-dia. E em todo lugar existe gente que precisa de um ombro e precisa que você faça a diferença. E isso não tem preço.

Conhecer amigos por internet é ter experiência. Visitar estes amigos em outros lugares é ter mais experiência ainda. Apaixonar-se por alguém que conheceu por internet é ter mais experiência ainda. Tomar toco, então, nem se fala: sou PhD. E casar-se com alguém que conheceu por internet, depois de três anos de namoro à distância (põe distância nisso) e encontrando-nos uma vez a cada mês e meio ou dois meses, não é o cúmulo da experiência mas é o acúmulo. (Se bem que nisso o Jordi é mais experiente que eu)

Colecionar cartões postais não é ter experiência. É apenas um hobby (ou um vício). Um cara que tem 175 mil cartões (esse sim, tem experiência) me falou que é igual cachaça. Como eu nunca bebi cachaça e também não pretendo beber cartões postais, não vou saber nunca. E querer ter postais de todo o mundo também não é ter experiência: é uma teimosia. Experiência é o que você adquire enquanto faz isso.

Há quem diga que fazer grandes cagadas na vida é ter experiência. Eu já fiz. Não faltará gente cretina que diga que sou experientíssimo, mas a verdade é que somente uma vez foi preciso interditar o banheiro.

Tocar instrumentos musicais é ter experiência. Tocar mal é ter mais experiência ainda, porque você tem que ralar muito até conseguir melhorar. Tenho experiência em tocar mal o piano, a flauta e o sax. O trompete ainda não conta, porque estou treinando com um método de criança (daqueles que as notas musicais têm carinha e tudo).

Conversar com gente idosa é adquirir experiência. Conversar com crianças pequenas também, porque elas ainda têm a capacidade de ver o óbvio sem um olhar viciado. É como a Julinha, quando queria um motivo para ficar do lado de fora da casa. "Vamos cuidar das plantinhas". E eu respondi perguntando se ela sabia como é que se cuida das plantinhas. Com toda a sabedoria dos seus três aninhos, ela respondeu: "Com tanto amor".

Escrever é adquirir experiência. Tem propriedades terapêuticas e serve inclusive pra aliviar dor de cotovelo. Ajuda a encontrar-se consigo mesmo. Alimenta o ego. Se você escrever razoavelmente, vale até menção honrosa. Já não lembro se fui suficientemente bom pra chegar alguma vez ao primeiro lugar, mas tem poemas meus em uma dúzia de livros por aí (além de ter participado de dois livros fora do Brasil).

O que mais é ter experiência? Bater o carro? Tenho muita experiência dentro de estacionamentos. Ganhar troféus de kart? A experiência é pouca se comparada ao número de corridas. Montar quebra-cabeças? Tenho uma experiência razoável, mas que não chegou ainda a 3 mil peças. Ler livros? É adquirir experiência, embora nem sempre de qualidade. Ler notícias? Serve pra adquirir informação, não experiência (e serve, principalmente na internet, pra me divertir muito com os erros de escrita). Assistir filmes? Minha experiência aqui se resume a alguns poucos bons filmes que assisti. Porque no mais, detesto esse negócio. Em 2011 não vi filme nenhum. Nem em cinema, nem em DVD, nem em TV, nem filme fotográfico.

Experiência vai mais além da quantidade de tempo que você passa fazendo a mesma coisa (experiência profissional). Adquirir experiência é viver com qualidade. Mais além da titulação acadêmica ou do tempo de empresa. 

Esta é a minha experiência. Que obviamente não termina neste currículo.

3 comentários:

  1. Parabéns!
    Texto inteligente. Espero ver os anexos... kkkk!
    Abs

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  2. Valeu Lucas... e parabéns pela vitória agora à noite. Aprendeu como é que se torce? :-)

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  3. Parabéns Mano, Ótimo texto, fácil leitura, leve, no mínimo curiosa. Convidativa a querermos saber o que vem no proximo parágrafo. Fico feliz em conhecer escritores assim. Um forte abraço Rodrigo Narvaez

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